Notícias
Reforma trabalhista na crise?
Nos tempos de maré cheia, poucos se lembram de modernizar as leis do trabalho.
Nos tempos de maré cheia, poucos se  				lembram de modernizar as leis do trabalho. Na crise, o quadro se  				inverte, ao se constatar que leis cunhadas com o melhor dos  				propósitos mais instigam do que evitam as dispensas de  				trabalhadores.
Vejam o caso da redução de jornada com redução de salário. Para  				que isso seja objeto de negociação coletiva, as dificuldades  				econômicas da empresa têm de ser "devidamente comprovadas" (Lei  				4.923/65). 
Convenhamos, não pode haver expressão mais vaga do que essa. O  				que é comprovar devidamente? A empresa precisa chegar perto da  				falência? Quais são os indicadores que satisfazem essa  				exigência?
Ademais, o que é aceito como devidamente comprovado pelas partes  				na negociação coletiva hoje pode não ser aceito pelos  				empregados, pelo sindicato laboral ou pelo Ministério Público do  				Trabalho amanhã. Isso pode ensejar a anulação do acordo coletivo  				dentro de um ou dois anos, o que exigirá da empresa o pagamento  				de todas as parcelas salariais não pagas, acrescidas de encargos  				sociais da ordem de 102%, mais juros e atualização monetária.  				Esse passivo trabalhista tende a assumir proporções gigantescas,  				suplantando, em muitos casos, o próprio patrimônio da empresa. A  				insegurança jurídica é colossal. 
Para corrigir esse problema, não é preciso fazer nenhuma reforma  				revolucionária e nem mesmo mexer na Constituição Federal. Basta  				mudar o artigo 2º da referida lei, definindo claramente  				indicadores objetivos para captar as dificuldades econômicas da  				empresa como, por exemplo, uma queda do faturamento ou das  				vendas, abaixo de certo nível e por três ou quatro meses  				consecutivos. 
Trata-se de uma melhoria simples e que pode ser feita até mesmo  				por Medida Provisória. Com maior segurança jurídica, as empresas  				usariam essa medida com mais tranquilidade, evitando dispensas  				precipitadas. Sem isso, muitas partem logo para a dispensa,  				pagando as verbas rescisórias e evitando passivos trabalhistas  				ocultos. Como está, essa lei estimula as dispensas em lugar de  				evitá-las. 
O mesmo ocorre com a suspensão do contrato de trabalho que  				muitas empresas gostariam de usar com o fim de reter seus  				empregados. Durante o período de suspensão do contrato e do  				salário, o empregado recebe uma Bolsa Qualificação do Ministério  				do Trabalho e Emprego. Uma boa medida para situações de  				emergência. E por que poucas empresas a utilizam? 
Porque, para usar esse expediente, o Ministério do Trabalho e  				Emprego exige que as empresas realizem um curso baseado em um  				plano pedagógico e metodológico a ser aprovado pela Delegacia do  				Trabalho, em que se prevê o uso de laboratórios, seminários e  				oficinas, com carga horária de 120 a 300 horas. Quanta  				burocracia!
Há mais. O trabalhador a ser beneficiado deve comparecer à  				Delegacia do Trabalho munido de uma cópia do acordo coletivo,  				carteira de trabalho, CPF, carteira de identidade e comprovante  				de inscrição no PIS. Mais burocracia!
O artigo 476-A da CLT que rege a matéria já é complicado em si  				mesmo. Com tais exigências, fica praticamente impossível de ser  				usado. O risco de ter o curso rejeitado ou de cometer um  				equívoco é grande, o que mais tarde pode ensejar a anulação da  				medida, gerando, novamente, um passivo trabalhista de grande  				monta. 
Por isso, em lugar de se arriscar, muitas empresas preferem  				despedir, pagar as verbas rescisórias e usufruir da necessária  				segurança jurídica. É mais um exemplo de regulação que, ao  				pretender proteger, acaba desprotegendo. Outra vez, a sua  				modificação é simples. 
Os exemplos são infindáveis. O Brasil perdeu a oportunidade de  				modernizar as leis trabalhistas na hora do crescimento, quando  				os empregos eram fartos. Muitas mudanças poderiam ter sido  				aprovadas para entrar em vigor no futuro, o que geraria menos  				insegurança. 
Mas nem tudo está perdido. A crise também proporciona condições  				para mudanças. Aliás, a crise impõe mudanças. Vivemos nos dias  				de hoje uma oportunidade para se fazer ajustes de baixa  				resistência política e de alto efeito prático. 
Porém, não podemos nos iludir. Desemprego só se corrige com  				emprego. Mas a legislação pode ajudar a atenuar e reduzir as  				dispensas que hoje são praticadas em consequência da insegurança  				criada por leis de má qualidade. 
*José Pastore é professor de relações do trabalho da  				Universidade de São Paulo. Site: